ESTREIA: OUTIUBRO DE 2012

LOCAL:  TEATRO MUNICIPAL DO JOCKEY

ELENCO ORIGINAL: ANDRÉ GRACINDO, RAQUEL BOTAFOGO,
LILIANE XAVIER, MARIANA FAUSTO, GUSTAVO BARROS, MIGUEL ARAÚJO, PAULO GIANNINI, PEDRO FLORIM
E THALES COUTINHO

PRÊMIOS E INDICAÇÕES: PRÊMIO SHELL DE TEATRO (CATEGORIA MELHOR ILUMINAÇÃO)
PREMIO SHELL DE TEATRO (CATEGORIA ESPECIAL)

 

A peça trata de questões humanas como o desejo de liberdade e, para o personagem principal, Próspero, o desejo de revanche. Sendo Duque de Milão, Próspero é deposto pelo irmão Antônio e abandonado em alto mar juntamente com sua filha, Miranda. Doze anos depois, tendo encontrado uma ilha, o nobre tornou-se um mago capaz de manipular forças da natureza para reencontrar seu irmão traidor. Misteriosa e profundamente enigmática, esta obra apresenta uma gama de personagens que se encaixam perfeitamente no perfil atual da PeQuod, sugerindo novos caminhos maravilhosos em termos de encenação.

E LA NAVE VA

E nesta ilha desolada, nada vos fará escapar dessa fúria,
a não ser o arrependimento e a busca de uma vida imaculada.
A Tempestade, Ato III, Cena III

Nestes últimos dois anos, a PeQuod embrenhou-se em mais um projeto de grande ousadia: trazer Shakespeare para a sua seara e verificar que aproximações poderiam ser construídas em torno da linguagem característica desta companhia com a mais misteriosa obra do bardo. Fomos surpreendidos pelo fundo falso da obra, que, se a princípio dava amostras de compatibilidade com o nosso ofício, em um segundo momento revelou a periculosidade desse encaixe. Depois de muitas versões, inúmeras tentativas, muito sangue, suor e lágrimas (estas, em bem maior quantidade), chegamos a um princípio norteador da montagem, em que nossa maior “especialidade” pouco contribuía para o levantamento dest’A Tempestade. Deste modo, instalou-se o grande desafio entre nós: para montar Shakespeare, este Shakespeare, dependíamos essencialmente de nós, dos nossos corpos, nossas expressões e nossa capacidade de transformar algo escrito há tanto tempo atrás em vida. Em vida novamente. A gestação deste espetáculo nos trouxe um filho bem diferente dos outros tantos. A questão das relações estabelecidas entre os personagens da peça e do trânsito de poder evidenciou-se, impondo novas discussões na PeQuod. Ao falarmos das relações de poder, impossível não falar de política. Talvez este seja nosso primeiro esboço sobre o tema.

Não há dúvidas de que este projeto modificou-nos como grupo. Temos certeza também de que foram abertos alguns canais de expressão de cada indivíduo que passou por este projeto, proporcionando uma riqueza a mais no nosso trabalho. A dor latente de alguns personagens da peça impregnou-se em nós e nos empurrou para um abismo ainda não explorado pela PeQuod. Desta vez, os bonecos ficaram em casa; precisávamos de vida verdadeiramente vivida no palco, não poderíamos contar com a destreza da técnica, a perfeição das formas, a pureza que só um boneco tem. Precisávamos de carne, sangue, ossos e, sobretudo, das nossas imperfeições. Lentamente, o ritual de sacrifício foi preparado, montado, desmontado, vestido, despido, tramado até chegarmos a esta forma final, que, obviamente, não finaliza nunca e se refaz nas noites em que há espetáculo. Nas noites em que não há também. Nosso trabalho aqui serviu-nos para exercitar nossas capacidades interpretativas, crescermos como artistas e entendermos um pouquinho mais sobre nós mesmos. Isto parece tão óbvio, mas, perdoem-nos, não é. Saímos deste longo processo refeitos, renovados, embora estranhos a nós mesmos. O infortúnio foi nosso companheiro na sala de ensaio. Se, por um lado, isso potencializou capacidades que há muito precisavam de exposição, por outro obrigamo-nos a transformar dificuldades de várias ordens em celebração. Celebremos, pois! Somos todos sobreviventes de um naufrágio. Quando a noite chega, dirigimo-nos a um lugar estranho, cheio de luz e sombra. Cheio de som e fúria que não significa nada.
Nesta jornada, novos e antigos companheiros embarcaram nesta PeQuod rumo a um mar de inquietações das mais estranhas e perigosas. Agradecemos a todos que se lançaram nesta aventura com o coração aberto.

Passamos por uma tempestade, isto é certo. Mas estamos vivos!

Miwa Yanagizawa e Miguel Vellinho

CRÍTICA PUBLICADA NO BLOG IDA VICENZIA – CRÍTICA DE TEATRO

SÁBADO, 17 DE NOVEMBRO DE 2012
A TEMPESTADE

Em cartaz no Teatro do Jockey até dia 16 de dezembro, “A Tempestade”, de William Shakespeare, tradução de Geraldo Carneiro; direção Miguel Vellinho e Miwa Yanagizawa; dramaturgia e adaptação de Izadora Schettert, em trabalho conjunto com os diretores. Marcos Nicolaiewsky é o artífice dos objetos em cena. O projeto é do PeQuod.

Trata-se de um Shakespeare “de animação”, por isso estabelecemos nesta crítica, como primeiro passo, as atividades pré-cênicas citadas acima, e que tanto influenciam a cena. O resultado, inusitado para um Shakespeare, é um espetáculo ilustrado pelos movimentos brevíssimos de uma performance oriental. Embora tal afirmação possa parecer estranha, tudo no espetáculo, desde as ondas do mar, as árvores na mata, as embarcações na tempestade, os jogos – são trabalhos tão delicados (executados em papel) que, unidas a sons e luzes, e ao desempenho dos atores, provocam sensações que nos remetem a uma realidade além da nossa, influenciada que é pelo teatro ocidental, a uma realidade poética e agressiva tão… oriental! É o “teatro”, muito além da palavra. Parece estranho, em se tratando de Shakespeare, que a palavra não se transforme no domínio da ação. Nesta fantasia de sons, luzes e sombras há o esboço de um teatro oriental que, segundo as palavras de Yun-Cheol, presidente da AICT – “não fornece uma versão da realidade, mas uma espécie de jogo, em que o “estilo” é mais importante do que a “narrativa”.

Não estamos querendo dizer, com isso, que a narrativa de Shakespeare não seja estrutural, porém, neste caso, ela não é dominante, está integrada a outros fatores que a compõe, independentes dela. Daí o mistério de sua proposta. Ariel, por exemplo, aquele ser da floresta (bela interpretação de Mariana Fausto), não tem compromisso com a palavra, mas com os gestos. É um espírito encantado. Ele depende muito mais da concepção de quem o apresenta. Há vários Ariel…, porém o de Vellinho e Miwa, desenvolvido por Mauricio Durão – através de sua trilha sonora – e por Renato Machado, através da luz, provoca um bem sucedido encantamento, em sua transposição para a cena. Esse é um fator de “estilo”.

Há, na cena em geral, um envolvimento mágico – e a constatação de como é simples realizar coisas belas. Essa montagem talvez tenha sido a mais delicada e verdadeira, das versões a que já me foi dado assistir. Próspero, por exemplo, o destronado duque de Milão (interpretado com carisma por André Gracindo) tem aparições e desaparecimentos súbitos – proporcionados pela luz e pelo ângulo em que o ator se projeta – na cena. Esses recursos são testemunhos de sua integração e da vivência misteriosa que ele estabelece na ilha em que está condenado a viver (e o faz por um longo tempo). Há uma hierarquia (amorosa), criada por ele, onde não impera a ameaça do tirano. Como a magia comanda a sobrevivência na ilha, e o poder da magia, que Próspero domina, está acima da vida e da morte, ele precisa somente dominá-la, para ser respeitado.

Ariel se torna uma espécie de secretário de Próspero, e aceita a perda provisória de sua liberdade. Ele, que é o espírito livre da floresta, aceita colaborar com o Bem, no momento devido. A hierarquia, estabelecida por Próspero, na ilha, após o naufrágio, é obedecida por todos, inclusive pela doce e decidida Miranda, sua filha (interpretada com verdade por Raquel Botafogo), e também por Caliban (um excelente Paulo Giannini), o gênio do Mal, que serve a contragosto a seu senhor, até se aproximar de outro ser, que considera mais poderoso do que Prospero. Grotesco, primitivo e bajulador, Paulo Giannini se sai muito bem do desafio.

Como sói acontecer, nas peças de Shakespeare, os “representantes do povo”, tão queridos ao autor, também aparecem em “A Tempestade” nas figuras do “jester” Trúnculo (Liliane Xavier em hilária e competente interpretação), e o drunken “Butler” Estefano (Gustavo Barros, também entregue positivamente ao papel). A ilha é um mundo, no qual todos os sentimentos se manifestam. Há inveja, intriga, amor (a cena do enamoramento de Miranda com o filho do rei de Nápoles, Fernando (Miguel Araujo) é sutil e cheia de encantamento. Há momentos de grande beleza, nesta montagem. Mas, e principalmente, devemos destacar a sua singeleza, seja nos figurinos (destaque para o de Ariel) de Daniele Geammal; na ação, ou no cenário (Carlos Alberto Nunes). A equipe técnica é responsável pela magia em cena, tendo na iluminação de Machado o seu ponto forte. Há, na cena, o predomínio dos tons pastéis, o que dá a ela a aparência de fatos acontecidos em “um longo tempo atrás”, estabelecido pelas sombras de Cisko Diz, e o cenário de Carlos Alberto Nunes.

Enfim, a história de “A Tempestade” é bem conhecida: um irmão usurpa o trono ao herdeiro e o abandona em um barco, para morrer em pleno oceano, na companhia de sua filha Miranda. Mas o pai, Próspero, conhecedor das magias da natureza e da força dos seres da floresta, se comunica com eles. O representante nefasto dessas forças é Caliban. Em resumo, Shakespeare fala em traição e, também em perdão e amor. Este aparece quando o rei de Nápoles, que também naufraga na ilha (ação de Próspero?), possibilita a Miranda conhecer um jovem, Fernando, o filho do rei. Eles se apaixonam e tudo acaba bem. No final da peça, Ariel é devolvida a seu reino na floresta, e Caliban tem nova oportunidade na vida. E o traidor irmão do duque, Antonio (Gustavo Barros), recebe o perdão de Prospero. Pedro Florim e Tales Coutinho fazem pequenas intervenções como os lordes e o velho amigo e defensor de Prospero no reino.

Para encerrar, a bela frase do duque de Milão: “a vida é feita do material de que são feitos os nossos sonhos” (desculpem a tradução de memória), frase chave na peça: a mais reconhecida. Pois ela quase é perdida, ao menos no dia em que assisti, tal a surpresa de Prospero, ao perceber que alguns de seus súditos (os da plateia), não a conseguiam captar. A delicadeza nos impede de mencionar a falha (do público), mas o certo, “meu doce Shakespeare”, é que às vezes jogamos ao desconhecido os nossos sonhos mais amados, e os vemos cair no vazio. O duque de Milão perdeu o arroubo, e quase a elegância, ao pronunciar a bela frase. E essa foi a única grande perda, no dia em que assisti “A Tempestade”. Mas a arte é assim mesmo, cheia de altos e baixos. Um consolo: foi único senão do ator André Gracindo, em um trabalho de personagem tão bem desenvolvido. Conclusão: há um longo caminho a percorrer até o dia em que o “sonho” seja reconhecido, e encontrado, por pessoas que nele acreditam. É para estas pessoas que indico “A Tempestade”, do PeQuod, um espetáculo de beleza singela.
http://idavicenzia.blogspot.com.br/

Texto: William Shakespeare

Tradução: Geraldo Carneiro

Dramaturgia/Adaptação: Izadora Schettert, Miwa Yanagizawa
e Miguel Vellinho

Elenco: André Gracindo, Gustavo Barros, Liliane Xavier, Mariana Fausto,
Miguel Araújo, Paulo Giannini, Pedro Florim, Raquel Botafogo
e Thales Coutinho

Direção: Miguel Vellinho e Miwa Yanagizawa

Assistência de direção: Izadora Schettert

Cenário: Carlos Alberto Nunes

Figurino: Daniele Geammal

Iluminação: Renato Machado

Direção musical e trilha sonora: Maurício Durão

Design gráfico: Roberta de Freitas e Natália Quinderé

Fotografia: Simone Rodrigues

Assessoria de imprensa: Roberta Rangel

Confecção dos objetos de animação: Marcos Nicolaiewsky

Desenhos das sombras: Cisko Diz

Equipe de confecção: Marcos Nicolaiewsky, André Gracindo
e Izadora Schettert

Confecção de adereços e assistência de cenografia: Gabi Windmüller
e Margareth Moura

Assistente de figurino: Inessa Azevedo

Confecção de figurino: Ateliê Suely Gerhardt 

Equipe do ateliê: Larlis Brito, Danielle Arigoni, 
Rosa Maria Rosa e Vera Gerhardt

Ajudantes de figurino: Marlene de Paula e Renata Cortes

Cenotécnico: Ivam Henriques Lessa

Camareira: Mônica Souza

Operação de som: Telma Lemos

Operação de luz: Felipe Medeiros

Técnico de palco: Renato Silva

Técnico de luz: Kadu Moura

Técnico de som: Pedro Benevides

Assistência de produção: Rosite Val

Produção: executiva André Roman

Coordenação de produção PeQuod: Liliane Xavier

Direção de produção: Lilian Bertin

Auxiliar administrativo: Alex Nunes

Estagiários: PeQuod Cisko Diz, Margareth Moura, Inessa Azevedo e João Eizo

Coordenação artística: Miguel Vellinho

Coordenação do projeto: Sérgio Saboya

Coordenação técnica: Liliane Xavier e Carlos Alberto Nunes

Administração do projeto: Associação Quarto Ato

Realização e Produção: Associação Quarto Ato e Cia PeQuod – Teatro de Animação

EM BREVE…

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