ESTREIA: SETEMBRO DE 2006

LOCAL: TEATRO DE ARENA DO ESPAÇO SESC, RIO DE JANEIRO

ELENCO ORIGINAL: LILIANE XAVIER, MARIA REGO BARROS, MONA VILARDO, MÁRCIO NASCIMENTO, MÁRCIO NEWLANDS E MARIO PIRAGIBE

PRÊMIOS E INDICAÇÕES:
PRÊMIO SHELL DE TEATRO (MELHOR CENOGRAFIA, MELHOR DIREÇÃO)

 

Em 2006, ano do centenário da morte de Henrik Ibsen, a Cia. PeQuod se propôs o desafio de encenar Peer Gynt, obra extremamente complexa do dramaturgo norueguês. Para contar a epopéia do anti-herói Peer Gynt, uma espécie  de Macunaíma norueguês, a Cia. PeQuod põe atores e bonecos em pé de igualdade, num jogo cênico onde ambos se complementam de forma incomum. O cenário, embora funcione como uma coxia aparente, consistindo numa intrincada estrutura de fios, pesos, lastros, tecidos e escadas, é pródigo em surpresas, pois todos os elementos de cena – e mesmo alguns personagens – vêm do teto. Aliados a tudo isso estão uma luz rica em detalhes, um figurino diversificado, uma trilha sonora que alterna o clássico e o contemporâneo, adereços confeccionados com delicadeza e nenhuma obviedade. O espetáculo prova que os limites do teatro são redefinidos a cada dia. E lembra que Ibsen, ainda hoje, rima com inovação e atualidade.

No fundo negro do fiorde

Quando terminamos de montar Filme Noir em 2004, me perguntava qual seria o passo seguinte. Costumo dizer sempre que um novo espetáculo começa na última cena do espetáculo anterior. Então assim foi. O namoro com a metalinguagem existente em Filme Noir era a deixa para a próxima aventura, sendo que o eixo mais interessante para uma nova pesquisa seria a variedade de relações que podem ser estabelecidas entre um ator e um objeto animado. E é nessa expansão do que hoje entendemos com Teatro de Animação que fundamentamos as linhas que percorreríamos nesta nova produção da PeQuod.

Henrik Ibsen era um nome cogitado tanto pela efeméride dos cem de sua morte, completados em 2006, quanto por sua importância dentro de um panorama de renovação cênica que o Teatro sofreu no final do século XIX. E na nossa seara, renovação sempre é um termo bem-vindo. Aproximar a dramaturgia ibseniana do nosso trabalho era, portanto, um excelente motivo para começarmos a criar um novo trabalho. Nosso navio adentrava um fiorde escuro e frio pronto para ser explorado.

No fundo negro do fiorde eu já sabia da existência da obra extremamente sedutora que é Peer Gynt. Na verdade, eu acredito que ela sempre esteve à espera de uma montagem com bonecos. Muitos a consideram pouco cênica, difícil de ser montada ou até mesmo feita para ser lida, não encenada. A estes, só tenho a dizer que justamente suas imbricações, sua falta de linearidade e seu tom fantástico cheio de personagens folclóricos, são os fatores que dão a exata medida para uma encenação com bonecos. E com atores. Com atores e bonecos. E com a imensa gama de recursos que tanto a cena contemporânea contempla quanto o próprio Teatro de Animação nos permite. E aqui estamos nós. Depois de inúmeras versões e possibilidades – algumas das quais ainda não temos como realizar, mas certamente serão retomadas em montagens futuras – nosso Peer Gynt vem à cena para provar que os limites sobre um palco são tênues e refeitos a cada dia.

Miguel Vellinho, texto do programa
A cena branca

Esta montagem de Peer Gynt tem como premissa uma série de desafios técnicos e temáticos que levam nossa companhia a experimentar, pela primeira vez, alguns novos recursos e possibilidades. Abolimos certas regras que sempre havíamos seguido à risca. Misturamos atores, bonecos e formas impondo-nos a obrigação de não perder a coerência. Permitimo-nos arriscar como nunca fizéramos. E tudo isso fez de Peer Gynt um projeto intrincado, como se não bastassem a complexidade original do texto de Henrik Ibsen e a personalidade multifacetada do seu protagonista.

Mas, a mais radical proposição desta montagem talvez seja o fato de estabelecermos Peer Gynt numa arena. Isto nos fez abandonar os balcões que normalmente servem de piso para os bonecos. Famosos por seus deslocamentos cinematográficos sobre o palco, nossos balcões deram lugar às escadas de metal, material frio – como a Noruega – e ingrato para a manipulação, mas que conseguimos transformar nova forma móvel e ágil de suporte.
Os sacos de lastro, elementos específicos do ambiente teatral, também são outra novidade. Sua pluralidade permitiu que eles funcionassem como coxia, para a entrada dos bonecos, e também como cenários, adereços e até mesmo personagens desta saga.

Assim ficou estabelecida a nossa cena, o lugar onde a história se daria. No próprio palco. No próprio teatro. Com coxia à mostra, revelando toda a engenharia que existe por trás de um efeito cênico. Nosso Peer Gynt parte, então, da tensão existente nas cordas que sustentam os sacos, numa verticalidade muitas vezes difícil de ser explorada por vez em cena. Cada saco de lastro guarda um mistério dentro de si.

Durante todo o processo de criação, nós nos perguntávamos “Quem é Peer Gynt?”. A identidade do personagem foi questionada inúmeras vezes e posta em cheque. Como trabalhar esta questão? Com base nos muitos textos que lemos ao longo dos ensaios, desconfiamos que a identidade do protagonista seja esfacelada. Ou melhor, pluralizada. Nosso Peer Gynt adquiriu feições contemporâneas, em que a sua identidade é questionada a todo o momento. Vimos o personagem como uma tela em branco a ser pintada. Como uma grande cena vazia, pronta para receber os atores que possam interpretá-la. Uma vez mais.

Agradeço a todos os que acompanharam de perto esta exploração. Àqueles que já estão juntos há algum tempo e àqueles que chegaram agora. Sou imensamente grato por nossa força e união.

Miguel Vellinho, texto do programa
Ode ao malandro norueguês

O reconhecimento internacional da obra do escritor Henrik Ibsen veio em primeiro lugar com o êxito da fase realista de sua dramaturgia, a partir de Os Pilares da Sociedade, em 1877, o que situou o autor como o maior inovador do teatro moderno. Dez anos antes, Ibsen publicara o poema Peer Gynt que, no contexto norueguês viria a se tornar um símbolo nacional, aqui no Brasil só comparável ao Macunaíma de Mário de Andrade. Como o “herói sem nenhum caráter” brasileiro, Peer Gynt era uma crítica severa do espírito da sociedade de seu tempo e, mesmo assim, tornou-se um ponto de identificação positiva para a cultura norueguesa. Henrik Ibsen escreveu a obra no exílio e o personagem Peer Gynt era a expressão de tudo o que incomodava o dramaturgo em sua pátria: a mentira, o auto-engano, a irresponsabilidade e a ambigüidade ética e moral, temas que nunca deixaram de ser alvo de sua pena afiada de Ibsen e que mantêm a atualidade até hoje.
Em 1866, Ibsen tinha criado a peça Brand, com grande sucesso, cujo personagem é de um radicalismo solitário que sacrifica tudo em nome dos ideais. Peer Gynt era o oposto de Brand, alguém que nunca enfrenta a realidade, mas sempre dá um jeitinho de fugir para o reino da fantasia, sem se preocupar com as conseqüências que seus atos possam ter para as pessoas que ama. É impossível, entretanto, não gostar de Peer, apesar de suas mentiras e inconseqüências, porque ele representa a irresponsabilidade alegre de quem é levado pelo impulso poético do prazer, mas nunca pelo cinismo calculista. Os sonhos e devaneios do Peer – filho de um fazendeiro outrora rico e respeitado que perde tudo e torna-se um alcoólatra antes de deixar viúva sua mulher, Aase – são despertados pela preocupação de “conhecer-se a si próprio”. Mas essa ambição é inviável no reino da razão. Peer consegue durante sua epopéia, ser muitas coisas: príncipe herdeiro dos trolls, traficante de armas, profeta, imperador de um hospício. Entretanto, quando volta a sua aldeia natal, ele perde de novo tudo e precisa enfrentar um enigmático fundidor de botões que pretende derreter sua alma, a menos que Peer consiga lhe mostrar quando e onde durante sua vida conseguiu ser “ele próprio”. O final surpreendente mostra que era apenas no amor da mulher Solveig que Peer sempre foi o que é, um sedutor irresistível na sua alegria voraz de vida.
O poema Peer Gynt só foi adaptado aos palcos dez anos depois, em 1876, e tornou-se a máxima expressão dramática e musical da alma nacional norueguesa nessa estranha “dialética da malandragem”, como diria Antônio Cândido, em que a exposição crua dos defeitos e fraquezas acaba revelando com graça e ironia, o melhor do universo poético e folclórico da Noruega.

Karl Erik Schøllhammer, texto do programa

Crítica do espetáculo PEER GYNT
JORNAL O GLOBO
Segundo Caderno
25 e novembro de 2006.

Uma adaptação de Ibsen que diverte e emociona
Peer Gynt: Cia PeQuod faz espetáculo de alta qualidade no Sérgio Porto
por Bárbara Heliodora

“Peer Gynt”, o irônico épico de Henrik Ibsen, raras vezes é visto no teatro, dada a complexidade de sua encenação. A história do irresponsável e aventureiro norueguês que vai prejudicando uns e outros pela vida, sem sequer se dar conta do que faz, é ao mesmo tempo risível, dolorosa e poética. Nessa figura, na verdade, Ibsen procurar retratar os muitos defeitos da sociedade norueguesa daquela época, que ele denunciou e combateu por toda a vida. Pois foi esse complexo texto que a Companhia PeQuod escolheu para sua nova produção, que encerra temporada hoje no Espaço Cultural Sérgio Porto.

Cenário inclui uma fantástica estrutura de pesos

Nesse “Peer Gynt” é realmente notável o uso sem distinção de atores, bonecos e objetos, que resulta em uma perfeita harmonia cênica. Carlos Alberto Nunes criou um cenário branco, uma grande cortina que, franzida em determinados pontos, compõe losangos suaves. Ele é responsável também pelos adereços, enquanto Kika de Medeiros criou os figurinos, igualmente brancos (a não ser por uma exceção) para os atores, coloridos para os bonecos. O segredo da harmonia, parece, está na manipulação dos bonecos pelos atores, que acaba por estabelecer uma igualdade íntima entre uns e outros.

Para atender às muitas exigências de “Peer Gynt”, o cenário inclui uma fantástica estrutura, aparentemente de pesos, dos quais saem, magicamente, personagens, o mar e vários adereços, sendo que os fios servem também para levantar atores e bonecos quando é necessário. A luz de Renato Machado é bonita e funcional, e a música/trilha de Maurício Durão colabora para criar o tom dos vários episódios – e só usa as Suítes Peer Gynt de Grieg na abertura e no fim.

O texto de Ibsen, inevitavelmente, não é apresentado na íntegra, mas está bem cortado, e a direção de Miguel Vellinho dá a medida do constante trabalho com atores e bonecos que é a assinatura do grupo: vozes, gestos e marcas de atores os deixam à vontade tanto entre si quanto com os expressivos bonecos feitos pelo próprio grupo.
O elenco é formado por Lílian Xavier, Maria Rego Barros, Mona Villardo, Mario Piragibe, Márcio Nascimento e Mardio Newlands, todos eles colaborando para a harmonia dos intérpretes e ainda manipulando a complexa estrutura de elementos que sobem e descem para se transformar das formas mais inesperadas.

“Peer Gynt”, na verdade, é um espetáculo de alta qualidade, que diverte e emociona, revelando mais uma vez inventividade e amor no trabalho que a Cia. PeQuod faz.

Elenco: Liliane Xavier, Marise Nogueira, Mona Vilardo, Mario Piragibe, Márcio Nascimento, Márcio Newlands
Direção: Miguel Vellinho
Assessoria teórica: Karl Erik Schøllhammer
Cenário e adereços: Carlos Alberto Nunes
Figurinos de atores e bonecos: Kika de Medina
Iluminação: Renato Machado
Trilha sonora: Maurício Durão
Direção de movimento: Claudia Radusewski
Consultoria de acrobacia aérea: Júlia Diehl
Confecção dos bonecos: Maria Rêgo Barros, Liliane Xavier, Flávia Vitralli, Márcio Newlands e Miguel Vellinho
Esculturas dos bonecos: Maria Rego Barros e Flávia Vitralli
Fotografias: Simone Rodrigues
Assistência de iluminação: Gilberto de Oliveira
Maquinárias: Antonio Domingos
Cenotécnica: René M. Visão
Alfaiate: Macedo Leal
Costureiras: Berenice Dias e Tomatinho Girão
Realização: Cia PeQuod -Teatro de Animação

Público-alvo: adulto.
Espaço: A montagem necessita de um espaço que seja vazio, sem platéia fixa.
Dimensões mínimas do palco: Num espaço vazio, as dimensões necessitam chegar a aproximadamente 15 X 15 m.
Duração do espetáculo: 1h e 40min
Tempo de montagem: Cerca de 12h.
Tempo de desmontagem: Cerca de 5h.

Necessidades Técnicas – Pessoal e Equipamento

Pessoal de apoio à montagem: 02 eletricistas
Equipamento de luz: 21 Elipsoidais Telem OM, 21 Pc 1000w, 14 Par #2, 28 Par #5, 07 Par #1, 10 Fresnéis 1000w, 25 Peam Beans, 02 Pcs 500w, 07 Locolight.
Equipamento de som: amplificador, caixas, mesa com 24 canais e 02 aparelhos de CD que serão mixados durante o espetáculo. A potência do equipamento deve estar adequada às características do local da apresentação.
Transporte do cenário: o cenário pode ser levado em um caminhão-baú pequeno, com cerca de 45 min de tempo para carga e descarga.
Equipe: 06 atores-manipuladores, 01 operador de luz, 01 operador de som, 01 cenotécnico.

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