Textos
2 de março de 2015
Ficha técnica
2 de março de 2015

Críticas

Pe Quo Deux

Críticas

CIA PEQUOD ACERTA COM NOVOS OLHARES
Dança
Peh quo deux
Cotação: Ótimo

Adriana Pavlova
Segundo Caderno – O Globo
17/01/2014

Uma ótima surpresa abre a temporada de dança de 2014. Em cartaz no Oi Futuro Flamengo, “Peh quo deux” é a reveladora incursão da Cia PeQuod – Teatro de Animação no mundo da dança. A companhia, consagrada por sua pesquisa da movimentação humana através do uso de bonecos, conseguiu refinar ainda mais seu trabalho, a partir do olhar de cinco coreógrafos.
Para criar seus quadros , os artistas partiram do livro “Seis propostas para o próximo milênio” de Ítalo Calvino, que, na verdade, são cinco, apesar do título: leveza, rapidez, multiplicidade, exatidão e visibilidade. No palco essas ideias se misturam sem que isso se transforme num problema. Ao contrário.
A cena de uma faxineira com seu balde de limpeza e seu duplo em movimentos sutis para limpar o chão é o prólogo concebido por Paula Nestorov, que ao longo do espetáculo volta ao palco, no meio e no fim, pontuando “Peh quo deux”. Trata-se da mesma manipulação de bonecos que fez a fama da companhia, só que com mais sofisticação de movimentos e muita delicadeza. Ponto para a PeQuod, que soube se valer da sabedoria coreográfica de Nestorov, artista, infelizmente, hoje tão ausente dos palcos da cidade.
Regina Miranda chega para desestabilizar, com sua “Visibilidade” criada a partir da estética de videogame. É puro teatro pós-dramático, no qual todos os elementos da cena brigam para chamar a atenção do espectador. E nesse caso os elementos incluem projeções de vídeo num telão, com reproduções de jogos eletrônicos, imagens realistas de gente sequelada por guerras, som muito alto e bonecos colados ao corpo dos manipuladores. O resultado fica acima do tom, mas, numa outra leitura, acaba também mostrando como os intérpretes da PeQuod são capazes de dar conta de diferentes linguagens e propostas.
O clima muda totalmente com “Exatidão” de Cristina Moura, abrindo uma sequencia de delicados pas-de-deux até o fim do espetáculo. Neste, a figura bizarra de um boneco gordinho faz lembrar os personagens errantes de “May B”, espetáculo seminal da coreógrafa francesa Maguy Marin inspirado em Samuel Beckett. O personagem curioso tem um encontro com um boneco-criança. Lindo de ver.
“Leveza”, de Marcia Rubin, é o mais narrativo dos quadros, e isso não é nem um pouco problemático. Dois homens têm um encontro regado a álcool num restaurante onde há uma jukebox. A trilha sonora gostosa dá o tom da movimentação cheia de nuances, com humor e compaixão.
Enfim, é a vez de Bruno Cezario, que, por seu passado ligado ao balé clássico, exibe em “Rapidez” um duo de bonecos em que é possível imaginá-los dançando com sapatilhas nas pontas. É aqui que os seis intérpretes (Raquel Botafogo, Liliane Xavier, Mariana Fausto, André Gracindo, Miguel Araújo e Márcio Newlands), que já deram uma aula de segurança em seu ofício, ganham ainda mais a cena, com uma movimentação complementar à dos bonecos. Boa ousadia.
O desafio de trazer novos olhares e, sobretudo, novos movimentos para a PeQuod deu certo. O grupo comandado pelo diretor Miguel Vellinho prova, com “Peh quo deux”, que hibridações podem ser bem-vindas. É a arte do novo milênio borrando as fronteiras e criando novas percepções para o público.

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