Textos
2 de março de 2015
Ficha técnica
2 de março de 2015

Críticas

Sangue bom

Críticas

Crítica do espetáculo SANGUE BOM
JORNAL DO BRASIL
Caderno B
1o. de dezembro de 1999.

Sempre muito bom
Lucia Cerrone

O Sobrevento, completando 13 anos de existência com parte do grupo radicado agora em São Paulo, trouxe ao Rio este ano pelo menos duas grandes produções: Cadê meu herói? e Sangue Bom, este último em temporada no Teatro Gláucio Gill. E se em Cadê meu herói? estava em cena uma nova técnica aperfeiçoada pelo grupo, a luva chinesa, confeccionada por um mamulengueiro de Pernambuco, o Mestre Saúba, em sangue Bom o grupo volta às origens na manipulação direta da técnica japonesa (Bunraku), a mesma usada em Mozart Moments, carro-chefe do Sobrevento, desde 1991. Dessa vez, a volta à velha fórmula traz ao palco novidades muito bem-vindas.

Miguel Vellinho, em sua primeira direção, concebeu um espetáculo em takes cinematográficos de extrema agilidade cênica, sem se descuidar da plasticidade. Os manipuladores em trajes negros. Tão comuns nesse tipo de manipulação, foram trocados por personagens bem caracterizados para a época escolhida, fazendo da sua performance uma extensão do boneco. Com três manipuladores para cada títere, o movimento quase humano dos pequenos “atores” de madeira, tecido e látex conta a história em trama tragicômica.

No imenso palco vazio, ao som de uma trilha musical dramática, chegam os carregadores do porto trazendo caixotes de madeira de diversas dimensões. Quase por mágica, esses caixotes se abrem mostrando diferentes ambientes de um castelo: salas suntuosas com colunas de mármore, quartos de dormir com paredes de pedra, torres e porta de entrada sinistra. Os planos não obedecem à linguagem linear de uma casa e são usados como ambientação diferente para cada take. Em cena, uma entediada suicida encontra no seu Drácula um par perfeito para a vida eterna. Atrapalhando o casal, um galã canastrão caçador de vampiros.

Além da história contada, o espetáculo insere no enredo a própria história do teatro dos bonecos, que mistura doses de humor com secular crueldade. Lembranças das porretadas que o Sr. Punch dava na Sra. Judy, o simpático casal que se tornou um símbolo do teatro dos títeres, chega aqui com final quase trágico, ligado a amor, morte e esquartejamento. Tudo muito natural e risível.

Com ambientação perfeita e rica em detalhes luxuosos que caracterizam o gótico nos filmes de terror, o espetáculo tem grande força ainda na iluminação de Renato Machado, que cria pequenos focos para cenas mais intimistas, chegando quase ao close e ampliando raios e trovões no palco inteiro, ao sabor da estética Roger Corman para os filmes de Boris Karloff.

Sangue Bom é um espetáculo cheio de recursos e truques que vem encantando a jovem platéia. Mais que isso, é o teatro de bonecos que, enfim, deixa a carreira de festivais para ganhar temporada regular nos teatros.

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